quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Livro novo de Eliane Brum


A premiada jornalista Eliane Brum, repórter especial de ÉPOCA, lança seu terceiro livro, O Olho da Rua, em que traz um relato ampliado de dez reportagens publicadas na revista. Além disso, oferece ao leitor um making of de cada história, com uma reflexão sobre as limitações do trabalho jornalístico.
O OLHO DA RUA: livro de Eliane Brum
Do surgimento de uma vida no meio da Amazônia, pelas mãos de parteiras da floresta, até os últimos 115 dias de vida de uma merendeira de escola em São Paulo. É por este universo que transita a jornalista Eliane Brum em seu novo livro, O Olho da Rua (Editora Globo, que também publica ÉPOCA), que será lançado nesta terça-feira. Essas duas histórias e outras oito presentes na obra, cujo prefácio é de Caco Barcellos, revelam o estilo da autora, marcado pela delicadeza mesmo ao falar sobre temas áridos. Todas foram publicadas em ÉPOCA, mas de forma reduzida. Agora, o leitor terá a oportunidade de conferir os relatos de Eliane na íntegra.
Em O Olho da Rua, seu terceiro livro, a jornalista inova ao fazer uma reflexão sobre seu trabalho. Para cada reportagem, ela escreveu um texto sobre os dilemas que enfrentou, as escolhas que fez e os erros que cometeu. É um sincero reconhecimento das limitações do jornalismo.A gaúcha Eliane Brum é uma das mais premiadas jornalistas brasileiras. Ganhou quase 40 prêmios de reportagem, como Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna e Sociedade Interamericana de Imprensa. Iniciou sua trajetória como repórter no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 1988. Desde 2000, é repórter especial da revista ÉPOCA, em São Paulo.

A jornalista já recebeu vários prêmios por seu trabalhoPaulo. Seus outros dois livros são Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios, 1994), no qual refez a marcha do exército rebelde pelo país entrevistando uma centena de testemunhas. O segundo, A vida que ninguém vê (Arquipélago Editorial, 2006), é uma coletânea de histórias reais sobre a extraordinária vida das pessoas comuns, foi reconhecido com o Prêmio Jabuti 2007, na categoria melhor livro de reportagem. No campo do cinema, o documentário Uma história severina (2005), do qual Eliane é co-diretora e co-roteirista, foi contemplado com mais de 20 prêmios nacionais e internacionais. Nele, a jornalista acompanha a trajetória de uma nordestina que teve o destino alterado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Fonte: Revista Época

domingo, 26 de outubro de 2008

Nomadismos contemporâneos


O ônibus corta a paisagem do interior de São Paulo. Inumanamente de um lado e de outro das janelas do veículo sucedem-se imagens florestas de eucaliptos, plantações de café, cana e laranja. Nenhuma figura humana, somente a fértil terra roxa. Como é de bom tom por lá, cada um veste-se com seu silêncio e suporta a viagem de seis horas, no Expresso Andorinha, da capital para Assis, Presidente Prudente e região.

Eis que ao observar o acostamento localizo um homem carregando imensos sacos de estopa agarrados em seu corpo. Caminhando em sentido contrário aos ônibus, caminhões e carros, ele tinha uma barba imensa e seus sapatos estavam furados. Levanta a cabeça e olha o ônibus. Não deu pra observar demoradamente seu rosto, mas acredito que ele também nos observava.

Um homem carregando o peso de nossa própria condição. Tempos depois soube pelo meu amigo Anselmo, estudante de Psicologia da Unesp, em Assis, que o interior de São Paulo está cheio deles. São chamados de pardais. Desgarrados, nômades, vagabundos, eles pulam de cidade em cidade, não se fixando em lugar nenhum. Também são conhecidos como trecheiros, pois vivem nas estradas de um trecho para outro. Alguns prefeitos “bondosos” até alugam ônibus e despacham os pardais para lugares distantes. Há quem diga que, em alguns casos, eles podem até desaprender a linguagem, por falta de uso. Nômades, eles se negam a viver em comunidade. Existe por lá um centro de triagem de migrantes que desenvolve ações de apoio aos trecheiros. Pesquisas indicam que a maioria é homem, dependente do álcool, sem vínculos familiares.

“Nomadismos contemporâneos: um estudo sobre os errantes trecheiros”, do professor Eurípedes Costa do Nascimento, que acaba de ser lançado pela Editora da Unesp, vem de certa forma tirar da invisibilidade social estes homens e mulheres que sobrevivem literalmente nas bordas, nas estradas.

É certo que para filósofos, escritores, sociólogos, pensadores a condição nômade é uma das características mais marcantes da pós-modernidade, uma vez que vivemos a era dos fluxos (de informação, afetos, sexualidades, comportamentos, pessoas e capitais). Intelectuais como Michel Maffesoli já refletiram sobre a questão em livros como “Sobre o nomadismo- vagabundagens pós-modernas” (Record,2001) ou mesmo Gilles Deleuze e Félix Guattari no famoso “Mil platôs- capitalismo e esquizofrenia” (Editora 34, de 1995) têm seu tratado de nomadologia. E ainda Pierre Clastres ao estudar a decadência dos índios nômades do Paraguai em “Crônica dos índios Guayaki” (Editora 34, de 1995) ou Zygmunt Bauman nos “Tempos líquidos” (Zahar,2007) da humanidade em movimento na era do capitalismo global.
Somos todos nômades...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um certo horror econômico




O livrinho de bolso saído em meados da década de 60 nos adverte que a publicação em papel jornal de uma “obra de qualidade literária e grande valor cultural ou recreativo” só foi conseguida graças ao generoso apoio financeiro de Fulando de Tal, um banqueiro a serviço do Brasil e dos interesses nacionais. Sim, o livrinho cabe em todos os bolsos e bolsas...
Acho engraçado, para não dizer irônico, que em plena época de crise financeira global das bolsas e mercados encontrar uma edição de Os sete enforcados (de Leonid Nikoláievitch Andreiév) perdido numa das estantes do Cata Livros, em Campina Grande. Rapidamente fecho negócio com Ronaldo, amigo e proprietário da livraria. Saio com a pequena jóia dentro de minha pasta.
Publicado pela Biblioteca Universal Popular (Bup), da Editora Civilização Brasileira, a novela Os sete enforcados tem elegante projeto gráfico de Eugênio Hirsch, na época um dos maiores capistas do Brasil. A tradução direto do russo foi feita por Ana Weiberg e ainda o volume traz uma apresentação do estudioso Boris Schnaiderman. Sim, trata-se de um grande time reunido pelo editor Ênio Silveira.
Fico pensando como aquele frágil livrinho chegou ali nas estantes de um sebo da Getúlio Vargas. Quantos donos teve? Será que o generoso banqueiro Fulando de Tal ainda vive? Folheio as primeiras páginas e localizo um carimbo em vermelho informando que ele foi comprado na finada livraria Universal, que ficava na Maciel Pinheiro, no centro de João Pessoa.
Publicado em 1908, Os sete enforcados é um dos mais geniais escritos de Andreiév (1871-1919). Trata de um tema universal, a morte. Cinco revolucionários presos por tramar um atentado a um juiz se juntam no cárcere a dois trabalhadores que mataram os patrões. Num modo habilidoso, o escritor, que é considerado um dos mestres da literatura russa, sonda a mente de cada um dos condenados nos momentos que precedem à execução. Ele parte do princípio que “não é a morte que é terrível, mas ter o conhecimento dela.” Andreiév cultivava uma visão pessimista da humanidade, mostrando tipos desajustados, mórbidos.
A literatura de Andreiév impressionou mestres como Máximo Górki e Tolstoi. E continua impressionando os mais variados leitores até hoje. Certo crítico russo, um dia, considerou o escritor como um “matemático do horror”. Ele escreveu romances como Judas Escariotes, O abismo entre outros.
Em tempos de “horror econômico”, para usar uma expressão de Viviane Forrester, é preferível ser refugiar nos livros baratos e na boa literatura. Afinal, os clássicos nunca morrem...