Outro
dia, uma amiga minha me disse que suas sobrinhas tinham um sonho que
ela queria de todo jeito realizar. Perguntei as idades das meninas e
ela me respondeu que a mais velha tem oito anos, a do meio tem sete e
a mais novinha não chega a ter mais que dois.
Como
sonho é coisa séria mesmo nesse tempo que a gente vive, resolvi
perguntar o que era o desejo coletivo das meninas do Geisel. Meio que
se desculpando, minha amiga vai me confidenciando sem jeito que o
que as meninas querem é caminhar numa passarela.
Fui logo
pensando num evento de moda como um “fashion week” ou coisa
parecida. O sonho de ser modelo, magra, anoréxica e de manequim de
corpo esguio de girafa parece ser uma obsessão na cabeça das
meninas e das mulheres por tabela.
-
Carlos!Não você não entendeu! O que elas sonham é ir de um lado
pro outro naquela passarela que une a antiga Ceasa e à sede da
Prefeitura Municipal. Elas querem é passar de um canto para o outro
pra saber qual a sensação de atravessar aquela “ponte” com os
carros passando em alta velocidade por baixo.
A
vontade das três meninas do Geisel no princípio me pareceu apenas
uma coisa sem sentido. Mas, com o tempo, eu fui aprendendo a ver a
questão de um outro ângulo. Ou melhor, a mirar a o problema de
forma panorâmica, como se eu mesmo sonhasse atravessar aquela
passarela.
Os meses
se passaram e a promessa de levar as pequenas foi me perturbando ao
ponto de que atravessar aquela passarela já não era um sonho
infantil. Fiquei tentando me lembar se já tinha cruzado uma daquelas
passarelas por aqui e vi que tinha passado de carro milhares de
vezes por baixo, sempre correndo atrás de minhas obrigações, de um
lado para o outro, como um autômato.
Era como
se as meninas do Geisel me lembrassem de que é necessário ter uma
outra perspectiva da estrada da vida. Como uma terceira margem de
num rio de carros enlouquecidos, a única coisa com sentido era a
tarefa ilógica de levar três crianças para uma realizarem um sonho
estranho que para muitos era apenas uma coisa besta, na qual não se
deveria se dar crédito. Mas para mim era como entrar na toca do
coelho de Alice.
Eis que
o dia de realizar o sonho chegou num dia cívico e tedioso como o
sete de setembro. Não avisamos nada às meninas. A nossa amiga que é
fotógrafa levou seu potente equipamento de lentes e câmeras para
registrar a passagem de todos através da mágica passarela que une a
fartura de frutas e verduras selecionadas da antiga Ceasa ao
disputado centro do poder municipal.
Enquanto
tanques de guerra tomavam as ruas da cidade, três meninas realizavam
um sonho, um simples desejo de criança. Enquanto milhares de
soldados marchavam como um só organismo, três meninas sorriam vendo
caminhões e carros de passeio passarem como peixes elétricos
aflitos no rio de asfalto da BR 230. Enquanto veteranos de guerra
desfilavam carro aberto como heróis de um conflito bélico mundial
sem sentido, três crianças ignoravam docemente a rivalidade entre
israelenses e palestinos, americanos e iranianos.
Não
ousei perguntar às três meninas do Geisel qual era a sensação de
andar por uma passarela daquelas num dia de sete de setembro.
Permanece um segredo da infância. Apenas atravessamos montados em
cavalos imaginários, como o tal Pedro sonhador. Foi um gesto simples
que pode significar muito num futuro bem próximo. Ou simplesmente
ser até esquecido com o decorrer do processo de crescimento e
evolução das pequenas sonhadoras do Geisel. Assim, eu repetia
preocupado para a nossa amiga fotógrafa:
-
Registra tudo pra elas lembrarem desse sete de setembro um dia!