sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O sonho da independência


Outro dia, uma amiga minha me disse que suas sobrinhas tinham um sonho que ela queria de todo jeito realizar. Perguntei as idades das meninas e ela me respondeu que a mais velha tem oito anos, a do meio tem sete e a mais novinha não chega a ter mais que dois.
Como sonho é coisa séria mesmo nesse tempo que a gente vive, resolvi perguntar o que era o desejo coletivo das meninas do Geisel. Meio que se desculpando, minha amiga vai me confidenciando sem jeito que o que as meninas querem é caminhar numa passarela.
Fui logo pensando num evento de moda como um “fashion week” ou coisa parecida. O sonho de ser modelo, magra, anoréxica e de manequim de corpo esguio de girafa parece ser uma obsessão na cabeça das meninas e das mulheres por tabela.
- Carlos!Não você não entendeu! O que elas sonham é ir de um lado pro outro naquela passarela que une a antiga Ceasa e à sede da Prefeitura Municipal. Elas querem é passar de um canto para o outro pra saber qual a sensação de atravessar aquela “ponte” com os carros passando em alta velocidade por baixo.
A vontade das três meninas do Geisel no princípio me pareceu apenas uma coisa sem sentido. Mas, com o tempo, eu fui aprendendo a ver a questão de um outro ângulo. Ou melhor, a mirar a o problema de forma panorâmica, como se eu mesmo sonhasse atravessar aquela passarela.
Os meses se passaram e a promessa de levar as pequenas foi me perturbando ao ponto de que atravessar aquela passarela já não era um sonho infantil. Fiquei tentando me lembar se já tinha cruzado uma daquelas passarelas por aqui e vi que tinha passado de carro milhares de vezes por baixo, sempre correndo atrás de minhas obrigações, de um lado para o outro, como um autômato.
Era como se as meninas do Geisel me lembrassem de que é necessário ter uma outra perspectiva da estrada da vida. Como uma terceira margem de num rio de carros enlouquecidos, a única coisa com sentido era a tarefa ilógica de levar três crianças para uma realizarem um sonho estranho que para muitos era apenas uma coisa besta, na qual não se deveria se dar crédito. Mas para mim era como entrar na toca do coelho de Alice.
Eis que o dia de realizar o sonho chegou num dia cívico e tedioso como o sete de setembro. Não avisamos nada às meninas. A nossa amiga que é fotógrafa levou seu potente equipamento de lentes e câmeras para registrar a passagem de todos através da mágica passarela que une a fartura de frutas e verduras selecionadas da antiga Ceasa ao disputado centro do poder municipal.
Enquanto tanques de guerra tomavam as ruas da cidade, três meninas realizavam um sonho, um simples desejo de criança. Enquanto milhares de soldados marchavam como um só organismo, três meninas sorriam vendo caminhões e carros de passeio passarem como peixes elétricos aflitos no rio de asfalto da BR 230. Enquanto veteranos de guerra desfilavam carro aberto como heróis de um conflito bélico mundial sem sentido, três crianças ignoravam docemente a rivalidade entre israelenses e palestinos, americanos e iranianos.
Não ousei perguntar às três meninas do Geisel qual era a sensação de andar por uma passarela daquelas num dia de sete de setembro. Permanece um segredo da infância. Apenas atravessamos montados em cavalos imaginários, como o tal Pedro sonhador. Foi um gesto simples que pode significar muito num futuro bem próximo. Ou simplesmente ser até esquecido com o decorrer do processo de crescimento e evolução das pequenas sonhadoras do Geisel. Assim, eu repetia preocupado para a nossa amiga fotógrafa:
- Registra tudo pra elas lembrarem desse sete de setembro um dia!