A chamada
“literatura paraibana” tem a síndrome de Bertoleza. A
quitandeira escrava do romance “O Cortiço” trabalha como uma
máquina mas nunca é reconhecida. Explorada por João Romão que a
trata como um animal de carga, ela exaure suas forças de domingo a
domingo para enriquecimento do português.
O
romance naturalista de Aluísio Azevedo que foi fundamental para o
entendimento dos dilemas urbanos e raciais do Brasil do século 19
parece retornar como um fantasma para emprestar a figura de Bertoleza
como tentativa de superação de uma condição subalterna,
periférica e nunca resolvida do sistema literário local.
Existe
realmente um campo literário na Paraíba? A pergunta indiscreta que
foi feita por um escritor-professor num dos mais antigos ícones da
chamada “literatura paraibana”, o impenetrável suplemento
Correio das Artes, último latifúndio da cultura letrada
parahybana, parece perturbar o conveniente silêncio crítico que
transforma o fato de lançar um livro num ato tresloucado de ousadia
individual de um artífice solitário.
Qual o
sentido da estante autores paraibanos nas livrarias locais? Seria um
campo de concentração ou uma expressão da cultura local? Seria uma
coleção e gestos tresloucados em série? Qual o sentido de tal
estante uma vez que a maioria dos escritores quer ser nacional ou
até mesmo internacional? Na busca por furar o cerco da
invisibilidade, muitos escritores já estão buscando editoras
periféricas do Rio de Janeiro ou São Paulo em detrimento de casas
publicadoras locais, para afirmar que lançou um livro fora do eixo
da síndrome de Bertoleza.
Seguindo
a linha de ironia do poeta Manoel de Barros podemos afirmar que
artista da terra é minhoca? Ou a máxima de que santo de casa não
opera milagre parece de fato funcionar num estado de coisas em que é
preciso aparecer nacionalmente para ser reconhecido localmente, não
é Chico César? Tudo seria uma questão de mídia? O autor paraibano
é a a prova concreta da teoria do tatu proposta pelo colunista André
Ricardo Aguiar na qual o escritor é comparado ao excêntrico animal
que alterna momentos de reclusão e exposição? O tatu cava a sua
própria tumba como no disco de Paulo Ró?
Uma
tentativa de sociologia do sistema literário paraibano parece
supérflua quando se chega à conclusão de que não existe um campo
literário local? A crítica literária nos dias de hoje na Paraíba
parece um colunismo social de livros? Ou uma conversa entre “amigos”
na qual a troca de favores e elogios parece ser a tônica do
discurso?
É
possível uma sociologia da literatura num estado que não avança
nos níveis de alfabetização? Qual o papel das instituições na
criação desse campo literário local? Para que servem as
universidades, os centros de ensino, a Associação Paraibana de
Imprensa (API), o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba
(IHGP), a Academia Paraibana de Letras (APL), a Academia Feminina de
Letras, a Associação Campinense de Imprensa entre outras
associações civis dedicadas à perpetuação do sistema de letras,
história e jornalismo locais?
Entre
chiliques histéricos um autor brada na mídia local que renega a
literatura paraibana porque agora se fez nacional porque foi editado
por uma importante editora de Taboão da Serra, cidade “dormitório”
de São Paulo. Outro grupelho de escritores engendra uma cooperativa
de poetas menores em busca de um emprego temporário para seu líder
no governo estadual ou municipal. Somos todos poetas menores por
conta da geografia? A literatura paraibana é o grande cortiço São
Romão do romance naturalista que se espalha como máquina viva sem
consciência de seu papel social? Desordenada, caótica, parnasiana,
modernamente tardia, anacrônica, a literatura paraibana configura-se
num campo?