quinta-feira, 16 de maio de 2013

Síndrome de Bertoleza

A chamada “literatura paraibana” tem a síndrome de Bertoleza. A quitandeira escrava do romance “O Cortiço” trabalha como uma máquina mas nunca é reconhecida. Explorada por João Romão que a trata como um animal de carga, ela exaure suas forças de domingo a domingo para enriquecimento do português.
O romance naturalista de Aluísio Azevedo que foi fundamental para o entendimento dos dilemas urbanos e raciais do Brasil do século 19 parece retornar como um fantasma para emprestar a figura de Bertoleza como tentativa de superação de uma condição subalterna, periférica e nunca resolvida do sistema literário local.
Existe realmente um campo literário na Paraíba? A pergunta indiscreta que foi feita por um escritor-professor num dos mais antigos ícones da chamada “literatura paraibana”, o impenetrável suplemento Correio das Artes, último latifúndio da cultura letrada parahybana, parece perturbar o conveniente silêncio crítico que transforma o fato de lançar um livro num ato tresloucado de ousadia individual de um artífice solitário.
Qual o sentido da estante autores paraibanos nas livrarias locais? Seria um campo de concentração ou uma expressão da cultura local? Seria uma coleção e gestos tresloucados em série? Qual o sentido de tal estante uma vez que a maioria dos escritores quer ser nacional ou até mesmo internacional? Na busca por furar o cerco da invisibilidade, muitos escritores já estão buscando editoras periféricas do Rio de Janeiro ou São Paulo em detrimento de casas publicadoras locais, para afirmar que lançou um livro fora do eixo da síndrome de Bertoleza.
Seguindo a linha de ironia do poeta Manoel de Barros podemos afirmar que artista da terra é minhoca? Ou a máxima de que santo de casa não opera milagre parece de fato funcionar num estado de coisas em que é preciso aparecer nacionalmente para ser reconhecido localmente, não é Chico César? Tudo seria uma questão de mídia? O autor paraibano é a a prova concreta da teoria do tatu proposta pelo colunista André Ricardo Aguiar na qual o escritor é comparado ao excêntrico animal que alterna momentos de reclusão e exposição? O tatu cava a sua própria tumba como no disco de Paulo Ró?
Uma tentativa de sociologia do sistema literário paraibano parece supérflua quando se chega à conclusão de que não existe um campo literário local? A crítica literária nos dias de hoje na Paraíba parece um colunismo social de livros? Ou uma conversa entre “amigos” na qual a troca de favores e elogios parece ser a tônica do discurso?
É possível uma sociologia da literatura num estado que não avança nos níveis de alfabetização? Qual o papel das instituições na criação desse campo literário local? Para que servem as universidades, os centros de ensino, a Associação Paraibana de Imprensa (API), o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), a Academia Paraibana de Letras (APL), a Academia Feminina de Letras, a Associação Campinense de Imprensa entre outras associações civis dedicadas à perpetuação do sistema de letras, história e jornalismo locais?
Entre chiliques histéricos um autor brada na mídia local que renega a literatura paraibana porque agora se fez nacional porque foi editado por uma importante editora de Taboão da Serra, cidade “dormitório” de São Paulo. Outro grupelho de escritores engendra uma cooperativa de poetas menores em busca de um emprego temporário para seu líder no governo estadual ou municipal. Somos todos poetas menores por conta da geografia? A literatura paraibana é o grande cortiço São Romão do romance naturalista que se espalha como máquina viva sem consciência de seu papel social? Desordenada, caótica, parnasiana, modernamente tardia, anacrônica, a literatura paraibana configura-se num campo?