sexta-feira, 22 de maio de 2009

Borboletas da estação




Coloridas, as saias nem chegam a tocar o chão. Agitadamente, nervosamente, esvoaçam pelas ruas da cidade e param logo ali, no Calçadão da Cardoso Vieira, centro nervoso de Campina Grande, reduto masculino de aposentados, vendedores, engraxates e pedintes.

É o estranho encontro entre o nomadismo feminino e o sedentarismo local.

Logo cedo, não sei o porquê, um locutor do rádio disse pra ter cuidado com elas. Desconfiados, os homens fazem o alarido. E as ciganas, como numa guerra, vão ganhando posições. Encurraladas, deslocam-se e, ganham a parede da farmácia. Catam os pedestres pela cara, seguram o freguês pela mão e anunciam o poder de ler e revelar o futuro.

Vindas da Bahia chamam a atenção dos que passam e dos que cotidianamente vivenciam as praças da cidade. De todas as idades e cores, tal como borboletas, voam em bandos.

Defendem uns trocados com um poder que dizem ter. Vivem o presente através de um futuro imaginário lido na palma da mão. Percorrem as linhas como ruas de misterioso sentido. Obscuros, quebrados, os sulcos são interpretados, revistos, observados com um olhar ancestral.
Lê-se ansiedade na face da freguesa. Constrangida, mão aberta como um mapa, ela quer saber se vai dar certo o relacionamento com ele. Olho no olho, a cigana vai transformando em alívio o rosto da moça e está prestes a ganhar uma arara vermelha, dez reais. Experiente, com o pássaro na mão, a cigana sorri com o canto da boca, mostra sem querer um dente de ouro.

Preocupados com o futuro do futebol ou da política em 2010, remoendo a eterna rivalidade entre galo e raposa, os homens parecem não acreditar nas palavras das ciganas. Ocupam as calçadas e os bancos, tomam um pingado em Henrique´s lanches ou um café forte no São Braz. Nem chegam perto, muito embora lancem olhares hostis.

O calçadão e sua miríade de seres em movimento. Uma imensa mão aberta a acolher pedestres apressados, crianças de rua, ciganas, velhos, engraxates e pedintes.


quarta-feira, 6 de maio de 2009

O falso profeta


O falso profeta está morto. E sobre ele, como um punhado de terra suja, também apodrecem as críticas nem sempre justas. É certo que algumas de suas previsões nem sempre se cumpriram, mas podemos chegar à conclusão que ele estava certo em parte e que algumas de suas descobertas ou visões estavam bem fundamentadas. Mesmo assim, o falso profeta agora esquecido, descansa sem paz sobre seu próprio esquecimento.
Vítima dos modismos culturais que afetam a pretensiosa elite intelectual brasileira, o falso profeta da era eletrônica está sepulto no ciberespaço da vã memória e do esquecimento. Soterrado pelo peso da informação instantânea, pela quantidade de dados estocada não sei pra quê. Ele que era uma verdadeira mania dos tempos modernos, era discutido em seminários, salas, colóquios, cozinhas, eventos de especialistas, mesas de botequim, escritórios etc. Hoje habita o espaço nenhum...
Escafedeu-se, desmaterializou-se conforme suas próprias previsões.
Ex-gênio, desmascarado, farsante, cínico, copiador de idéias alheias. Filho bastardo da era da informação e da comunicação, hoje a simples pronuncia de seu nome junto aos nobres e renomados doutores professores de jornalismo causa arrepios e até crises universitárias de fricote. Os novos estudantes passarão quatro anos nas salas da universidade e sairão de lá sem ouvir a pronuncia de seu esquecido nome.
Alguns dão graças a Deus e pedem que ele descanse em paz num abrigo imaginário de velhinhos atrevidos que ousaram refletir sobre a comunicação e as culturas contemporâneas. Outros até reconhecem seu relativo valor, mas preferem não citar seu nome, para não se comprometerem, já que ele está fora de moda. Trata-se de um coitado, de um alegre bufão, de um arlequim dantesco que resolveu com uma simples analogia pensar a sociedade a partir de um circuito elétrico, como se aquela placa verde fosse toda a cidade ou o cérebro, com suas abstratas e incandescentes ruas do pensamento. E, logo ele que achava que o mundo tinha virado uma aldeia global, nem é lembrado nas minhas modestas aulas no curso de Comunicação, logo ali no bairro São José, em Campina Grande.
Colecionador de inutilidades, de frases feitas, de trocadilhos bestas. Acreditava que os meios de comunicação eram extensões do homem. E olha que o infeliz achava que tais meios eram prolongamentos do sistema nervoso. Basbaque e malandro ao mesmo tempo, enganava todo mundo dizendo que existiam meios quentes e frios. Ingênuo, achava que a palavra escrita iria desaparecer na era da TV, da imagem de cinema nas telas de cristal líquido. E logo ele, que dizia que a galáxia de Gutenberg estava sepultada, seu necrológio saiu por ironia num jornal dos anos 80. E ninguém lamentou, porque já naquela época ele já estava fora.
Logo com você, professor de literatura inglesa no Canadá, doutor honoris causa em várias universidades, nada disso importa. Você está esquecido cara. Já foi moda. E de modo algum vai voltar a não ser como um excêntrico e inconveniente fantasma. Um espertinho francês, Pierre não sei das quantas já copiou suas idéias sem sequer citar teu nome. E, por sinal, vive viajando pelo mundo posando de gênio. É isso aí bicho, é o ritmo da universidade, não é?