quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Cordilheira em Borborema


Fazendo uma cara de que nada entendi, cinicamente disparo para o homem que vem passando pelo Calçadão da Cardoso Vieira: galego, esse pessoal é de onde?
- Sei lá, é bem do Cariri...
Vestidos mais que tipicamente, os integrantes do grupo nômade Purik, do Equador estão como centro das atenções no Calçadão. Um pequeno gerador movido a gasolina alimenta duas caixas de som. Um menino e dois homens cantam as músicas do CD Caminante de los Andes. As mulheres, duas senhoras baixinhas e uma jovem de cabelos negros em trança, sorridentes oferecem roupas,discos do grupo, bolsas, flautas de bambu entre outras coisas ao público ouvinte.
Na mesa do SãoBraz, estendida no Calçadão, Mateus e Celeste entretidos só conversam sobre psicanálise. Ao lado, não dou bola pra Lacan muito menos pra Freud, exerço meu direito ao devaneio e, de longe, observo a cena.
Ao lado do Supermercado Tropeiros e em frente aos dois chaveiros da Cardoso, o grupo parece estar nas alturas ao tocar Condor Pasa e continuar com Guantanamera. Biliu de Campina atravessa o espetáculo de camisa xadrez verde e encontra Baixinho do Pandeiro, que também acompanha a apresentação.
Ao redor do grupo param um rapaz e sua bicicleta de entregar água mineral, um outro homem que vende café. Os engraxates batucam suas caixas normalmente, como se nada pudesse interferir na rotina do Calçadão ou roubar a atenção de possíveis fregueses.
Senhora, senhora, repito a pergunta inicial a uma mulher de seus 50 anos que vem passando desatenta, talvez vinda da Maciel Pinheiro, com duas sacolas de plástico na mão:
- Sei não, eles devem ser indios apaches ou do paraguai. Mas vou me embora daqui porque essa música me dá sono.
Repito a pergunta a um jovem:
- Eles são coreanos...
Com um sorriso revestido de ouro nos dentes, vem chegando Biu do Violão, figura folclórica da cidade. Senta-se na mesa, no Café São Braz e vai logo fazendo sua interpretação:
- Sabe não...eles são cruzamento de peruano com paraguaio, mas não gosto da música deles não, prefiro Roberto Carlos. E essa coisa de cantar na rua em Campina quem inventou foi eu nos anos 70, quando ainda havia seresta por aqui. Os portugueses donos de restaurantes davam graças a Deus quando a gente chegava com um violão para eles venderem cana. Depois, eles ficaram ricos e venderam os negócios pros brasileiros. Os brasileiros ficaram ricos também e não deixaram mais a gente chegar com um violão nos restaurantes...
A apresentação termina. Algumas moedas no chapéu de palha e só. Decepcionados, recolhem as caixas de som e os microfones. A caixa com CDs fica aberta e um homem se aproxima:
- quantequié?
- Dez riais
-......
Um artista de rua, Moreno aproveita o vácuo do fim da apresentação do grupo Purik e monta seu jogo de apostas, na verdade um mini campo de futebol riscado num tapete velho com apenas uma trave e cinco canecos de alumínio empilhados:
- Bora, bora, acabou a música, mas brincadeira continua, é um real pago cinco pra quem derrubar os cinco caneco duma vez....o erro não ta na bola mas no seu pé!!
O equatoriano ainda vestido a caráter não resiste e vai apostar. Novo dono da cena popular, o moreno faz catimba com seu apito vermelho de juiz de futebol, tudo isso pra desconcentar o jogador estrangeiro. Mexe na trave para tirar de esquadro a mira do apostador. Os observadores quase não respiram porque é um pênalti contra o Brasil e o futuro da seleção está nos pés do adversário equatoriano.
O músico chuta....decepção nas núvens novamente. Vingativa, a torcida vibra contra. O cartão vermelho levantado pelo dono do jogo e a advertência:
-Tá fora, ta fora...próximo, próximo!!!

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