quarta-feira, 5 de maio de 2010

Esperando


Li nas páginas do Diário da Borborema que um grupo de pessoas está morando numa das paradas de ônibus logo ali, no bucólico São José, na rua do marechal, a Floriano Peixoto. Antônio Ribeiro, repórter que escreveu a matéria, soube como ninguém contar e captar o drama humano que se instalou num abrigo em Campina Grande.
Maria de Jesus que esqueceu a própria idade, “mora” com seu esposo José Mariano, 50 anos, mais conhecido como “Zezinho Sapatinho”. Juntou-se ao casal Fábio Roberto, 51 anos, que está na rua depois de ser traído pela mulher, no bairro do Jeremias.
Paradoxalmente, neste caso, vida parece imitar o teatro. Esta semana mesmo estava pensando na peça “Esperando Godot”(de 1952), de Samuel Beckett (1906-1989). “Esperando Godot” trata justamente de dois vagabundos que passam o tempo todo esperando e implicando um com o outro enquanto aguardam, num lugar ermo, a chegada de um tal de Godot que nunca vem.
Beckett é por sinal um dos grandes autores do chamado Teatro do Absurdo. Martin Esslin, que tem um livro raro sobre o assunto, nos informa que em 1957 a peça “Esperando Godot” foi apresentada por integrantes do Actors´s Workshop de San Francisco a um público de 1400 sentenciados da penitenciária de San Quentin. Não era de se espantar, ainda segundo o especialista, que os atores e diretores estivessem apreensivos por não saber exatamente a reação de um público não acostumado com a cena teatral de vanguarda. Abril-se o pano e para surpresa geral o espetáculo foi imediatamente captado pelos sentenciados. Um repórter do “Chronicle” que estava presente notou que os presos identificaram-se com a espera sem fim, na qual Vladimir e Estragon, protagonistas, estão submetidos. Diziam eles “Godot é a sociedade” ou “Eles sabem o que quer dizer esperar”.
Muitos críticos dizem que “Esperando Godot” é uma peça em que nada acontece duas vezes. Beckett soube trazer para a cena teatral a conversa comum, com palavrões, divagações e insultos.
A identidade desse tal Godot tão esperado é também motivo para o desespero dos principais hermeneutas do teatro. Alguns pensam que o nome deriva da palavra “god” que em inglês significa Deus. Esperado e esperança, Godot não chega na peça de Beckett. A espera torna-se nula, sem sentido, absurda.
Ao lado de nomes com Adamov, Ionesco ou Jean Genet, Beckett parece manter sua singularidade justamente por trabalhar a questão do tempo através da saturação da linguagem pela espera. O tempo é sua matéria principal tal como Marcel Proust (1871-1922), autor de “Em busca do tempo perdido”.
“Todos seus personagens têm consciência que tudo o que fazemos nesta vida é o mesmo que nada, quando visto à luz da ação sem sentido do tempo, que é em si mesmo uma ilusão”, nos adverte mais uma vez Esslin, no livro “Teatro do Absurdo” (Civilização Brasileira, 1968).
Deixando o universo becketteano e voltando ao nosso particular teatro do absurdo, a quem Maria, José e Fábio esperam? O que esperamos deles? Que ônibus vão tomar? Que horas são? Não importa...
Será que Godot vai chegar mesmo??!

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