
Li nas páginas do Diário da Borborema que um grupo de pessoas está morando numa das paradas de ônibus logo ali, no bucólico São José, na rua do marechal, a Floriano Peixoto. Antônio Ribeiro, repórter que escreveu a matéria, soube como ninguém contar e captar o drama humano que se instalou num abrigo em Campina Grande.
Maria de Jesus que esqueceu a própria idade, “mora” com seu esposo José Mariano, 50 anos, mais conhecido como “Zezinho Sapatinho”. Juntou-se ao casal Fábio Roberto, 51 anos, que está na rua depois de ser traído pela mulher, no bairro do Jeremias.
Paradoxalmente, neste caso, vida parece imitar o teatro. Esta semana mesmo estava pensando na peça “Esperando Godot”(de 1952), de Samuel Beckett (1906-1989). “Esperando Godot” trata justamente de dois vagabundos que passam o tempo todo esperando e implicando um com o outro enquanto aguardam, num lugar ermo, a chegada de um tal de Godot que nunca vem.
Beckett é por sinal um dos grandes autores do chamado Teatro do Absurdo. Martin Esslin, que tem um livro raro sobre o assunto, nos informa que em 1957 a peça “Esperando Godot” foi apresentada por integrantes do Actors´s Workshop de San Francisco a um público de 1400 sentenciados da penitenciária de San Quentin. Não era de se espantar, ainda segundo o especialista, que os atores e diretores estivessem apreensivos por não saber exatamente a reação de um público não acostumado com a cena teatral de vanguarda. Abril-se o pano e para surpresa geral o espetáculo foi imediatamente captado pelos sentenciados. Um repórter do “Chronicle” que estava presente notou que os presos identificaram-se com a espera sem fim, na qual Vladimir e Estragon, protagonistas, estão submetidos. Diziam eles “Godot é a sociedade” ou “Eles sabem o que quer dizer esperar”.
Muitos críticos dizem que “Esperando Godot” é uma peça em que nada acontece duas vezes. Beckett soube trazer para a cena teatral a conversa comum, com palavrões, divagações e insultos.
A identidade desse tal Godot tão esperado é também motivo para o desespero dos principais hermeneutas do teatro. Alguns pensam que o nome deriva da palavra “god” que em inglês significa Deus. Esperado e esperança, Godot não chega na peça de Beckett. A espera torna-se nula, sem sentido, absurda.
Ao lado de nomes com Adamov, Ionesco ou Jean Genet, Beckett parece manter sua singularidade justamente por trabalhar a questão do tempo através da saturação da linguagem pela espera. O tempo é sua matéria principal tal como Marcel Proust (1871-1922), autor de “Em busca do tempo perdido”.
“Todos seus personagens têm consciência que tudo o que fazemos nesta vida é o mesmo que nada, quando visto à luz da ação sem sentido do tempo, que é em si mesmo uma ilusão”, nos adverte mais uma vez Esslin, no livro “Teatro do Absurdo” (Civilização Brasileira, 1968).
Deixando o universo becketteano e voltando ao nosso particular teatro do absurdo, a quem Maria, José e Fábio esperam? O que esperamos deles? Que ônibus vão tomar? Que horas são? Não importa...
Será que Godot vai chegar mesmo??!
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