domingo, 26 de outubro de 2008

Nomadismos contemporâneos


O ônibus corta a paisagem do interior de São Paulo. Inumanamente de um lado e de outro das janelas do veículo sucedem-se imagens florestas de eucaliptos, plantações de café, cana e laranja. Nenhuma figura humana, somente a fértil terra roxa. Como é de bom tom por lá, cada um veste-se com seu silêncio e suporta a viagem de seis horas, no Expresso Andorinha, da capital para Assis, Presidente Prudente e região.

Eis que ao observar o acostamento localizo um homem carregando imensos sacos de estopa agarrados em seu corpo. Caminhando em sentido contrário aos ônibus, caminhões e carros, ele tinha uma barba imensa e seus sapatos estavam furados. Levanta a cabeça e olha o ônibus. Não deu pra observar demoradamente seu rosto, mas acredito que ele também nos observava.

Um homem carregando o peso de nossa própria condição. Tempos depois soube pelo meu amigo Anselmo, estudante de Psicologia da Unesp, em Assis, que o interior de São Paulo está cheio deles. São chamados de pardais. Desgarrados, nômades, vagabundos, eles pulam de cidade em cidade, não se fixando em lugar nenhum. Também são conhecidos como trecheiros, pois vivem nas estradas de um trecho para outro. Alguns prefeitos “bondosos” até alugam ônibus e despacham os pardais para lugares distantes. Há quem diga que, em alguns casos, eles podem até desaprender a linguagem, por falta de uso. Nômades, eles se negam a viver em comunidade. Existe por lá um centro de triagem de migrantes que desenvolve ações de apoio aos trecheiros. Pesquisas indicam que a maioria é homem, dependente do álcool, sem vínculos familiares.

“Nomadismos contemporâneos: um estudo sobre os errantes trecheiros”, do professor Eurípedes Costa do Nascimento, que acaba de ser lançado pela Editora da Unesp, vem de certa forma tirar da invisibilidade social estes homens e mulheres que sobrevivem literalmente nas bordas, nas estradas.

É certo que para filósofos, escritores, sociólogos, pensadores a condição nômade é uma das características mais marcantes da pós-modernidade, uma vez que vivemos a era dos fluxos (de informação, afetos, sexualidades, comportamentos, pessoas e capitais). Intelectuais como Michel Maffesoli já refletiram sobre a questão em livros como “Sobre o nomadismo- vagabundagens pós-modernas” (Record,2001) ou mesmo Gilles Deleuze e Félix Guattari no famoso “Mil platôs- capitalismo e esquizofrenia” (Editora 34, de 1995) têm seu tratado de nomadologia. E ainda Pierre Clastres ao estudar a decadência dos índios nômades do Paraguai em “Crônica dos índios Guayaki” (Editora 34, de 1995) ou Zygmunt Bauman nos “Tempos líquidos” (Zahar,2007) da humanidade em movimento na era do capitalismo global.
Somos todos nômades...

2 comentários:

Ana disse...

Bonito, Carlos!

http://rolandolazarterapeutacomunitario.blogspot.com/ disse...

Querido Carlos, Gostei de ter (finalmente) visto seu blog. Adorei a sensação que transmite o texto de Andreiev sobre os sete enforcados, se entendi bem. O layout da página é amigável e a leitura, convidativa. Continuas sendo tu mesmo, sensível, ágil e comunicativo, inteligente e atento aos movimentos e transformações da pessoa e da sociedade no tempo atual. Justamente pensdava, enstes dias, em texto de Gaudmar sonbre a mobilidade geral do rabalho. Parabéns, e obrigado. Me avise de futuras modificações no seu blog, e visite o meu rolandolazarterapeutacomunitario. blogspot.com e o de Joana Belarmino, seus collegas em João Pessoa. Até. Rolando Lazarte