sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um certo horror econômico




O livrinho de bolso saído em meados da década de 60 nos adverte que a publicação em papel jornal de uma “obra de qualidade literária e grande valor cultural ou recreativo” só foi conseguida graças ao generoso apoio financeiro de Fulando de Tal, um banqueiro a serviço do Brasil e dos interesses nacionais. Sim, o livrinho cabe em todos os bolsos e bolsas...
Acho engraçado, para não dizer irônico, que em plena época de crise financeira global das bolsas e mercados encontrar uma edição de Os sete enforcados (de Leonid Nikoláievitch Andreiév) perdido numa das estantes do Cata Livros, em Campina Grande. Rapidamente fecho negócio com Ronaldo, amigo e proprietário da livraria. Saio com a pequena jóia dentro de minha pasta.
Publicado pela Biblioteca Universal Popular (Bup), da Editora Civilização Brasileira, a novela Os sete enforcados tem elegante projeto gráfico de Eugênio Hirsch, na época um dos maiores capistas do Brasil. A tradução direto do russo foi feita por Ana Weiberg e ainda o volume traz uma apresentação do estudioso Boris Schnaiderman. Sim, trata-se de um grande time reunido pelo editor Ênio Silveira.
Fico pensando como aquele frágil livrinho chegou ali nas estantes de um sebo da Getúlio Vargas. Quantos donos teve? Será que o generoso banqueiro Fulando de Tal ainda vive? Folheio as primeiras páginas e localizo um carimbo em vermelho informando que ele foi comprado na finada livraria Universal, que ficava na Maciel Pinheiro, no centro de João Pessoa.
Publicado em 1908, Os sete enforcados é um dos mais geniais escritos de Andreiév (1871-1919). Trata de um tema universal, a morte. Cinco revolucionários presos por tramar um atentado a um juiz se juntam no cárcere a dois trabalhadores que mataram os patrões. Num modo habilidoso, o escritor, que é considerado um dos mestres da literatura russa, sonda a mente de cada um dos condenados nos momentos que precedem à execução. Ele parte do princípio que “não é a morte que é terrível, mas ter o conhecimento dela.” Andreiév cultivava uma visão pessimista da humanidade, mostrando tipos desajustados, mórbidos.
A literatura de Andreiév impressionou mestres como Máximo Górki e Tolstoi. E continua impressionando os mais variados leitores até hoje. Certo crítico russo, um dia, considerou o escritor como um “matemático do horror”. Ele escreveu romances como Judas Escariotes, O abismo entre outros.
Em tempos de “horror econômico”, para usar uma expressão de Viviane Forrester, é preferível ser refugiar nos livros baratos e na boa literatura. Afinal, os clássicos nunca morrem...

4 comentários:

desastristas disse...

Blog ficu lindo, Carlos!Adorei o texto, vou ficar de olho e se encontrar "Os sete enforcados", compro na hora.Uma dica de leitura excelente!Parabéns!

Sandra Raquew disse...

Carlos, é sempre um prazer ler seus textos porque reunem sensibilidade, humor, análise crítica. São inteligentes, pertinentes. Parabéns pelo talento e por esta capacidade de humanizar as experiências do fazer jornalistico. Parabéns. Sandra Raquew

PROELART disse...

Carlos, parabéns pela iniciativa do Blog. De pronto, já vou fazendo meus pedidos: que tal uma relação dos principais sebos (ou site dos mesmos). Isto será de grande valia pra gente. "Moinhos a vencer", meu cumpade

Francis Juliano disse...

Diga "aê" meu querido Carlos Azevêdo. Um dos maiores muleques do sistema solar, é claro, no melhor sentido. Boa essa, Carlos. Que bom q está mais uma vez inovando. Escrever e falar sobre livros tem sempre a minha atenção. A partir de agora vou ficar sintonizado nos teus comentários e indicações. Forte abraço, Francis.