segunda-feira, 9 de março de 2009

Jambeiros


Os jambeiros desenham na cidade uma vez por ano um tapete de uma cor que para mim era imprecisa até hoje. Não havia palavras para descrever aquela intensidade, quase um sentimento que não podia ser transposto para o verbal.
De frondosa copa, delicadamente os jambeiros preparam silenciosamente na sombra de suas capelas a floração que, quase como um milagre, cai dos céus como uma colorida “neve” tropical que tanto seduz as crianças e adultos até hoje.
É nessa relação de transfiguração do cromatismo da natureza em conjunto com os movimentos do Ser que encontramos a poética de Vitória Lima, autora de “Fúcsia” (Edições linha d´água,2007). A capa do livro, assinada por Tiago de Lima Gualberto trabalha a linda e precisa aquarela de desenho naturalista de Maria Zélia Pessoa, que se intitula “Myrtaceae Jambosa Malaccensis DC”, representando todas as partes do jambeiro.
Os pés de jambo já quase não existem na abandonada Lagoa, em João Pessoa, são imagens de um passado distante, como os quadros de Flávio Tavares. Os jambeiros e suas cores, matizes entre o marrom do tronco ao verde escuro das folhas, chegando à fúcsia das flores que vão se transformar em frutos... sim, bem que podiam compor alguma narrativa sagrada. No poema “Primeiro beijo” (p.61), Vitória Lima faz esta aproximação: “foi em campina/na feira de fruta/que desfrutamos/o nosso primeiro/beijo//parados sob a marquise,/sombrinha aberta/saboreamos/ aquela exótica fruta/embarcada/diretamente/do paraíso (...)”
O livrinho saído do forno pela mão do talentoso artista gráfico e professor Pontes da Silva foi lançado a cerca de dois anos atrás, num discreto evento, no Parahyba Café de Bob Záccara, na antiga estação de trens, no começo da Epitácio Pessoa. Explico aqui a razão do atraso em quase duas estações de jambo em comentar tal publicação. Lembro que por motivos superiores não demorei no lançamento, comprei meu exemplar e voltei logo de ônibus para casa. No coletivo, não tinha a menor intenção em ler o livro. Mas a curiosidade me fez provar de um único jambo/poema e rapidamente, um por um, foram sendo devorados e, ao final da viagem, o livro já tinha sido deliciosamente lido. Uma leitura de vinte e poucos minutos pelas ruas da antiga cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves. Assim, não queria me desprender de tão inesperada leitura. Mas o tempo me fez compartilhar com vocês tal experiência...
Destaco ainda o poema “Fúcsia” que dá título ao livro: “da paleta dos jambeiros/sai o fúcsia que/ pinta e borda/ as calçadas dos setembros” (p.21). “Fúcsia” de Vitória Lima traz com sensibilidade toda uma construção de cores, sentidos e estações que sintonizam os poemas na natureza e para além dela, colorindo com tons e gestos o penoso passar dos dias e a implacável “tesoura do tempo” (p.67) que sintomaticamente compõe o poema “THE END” ao fim do delicioso último pedaço do jambo.

2 comentários:

Vitoria Lima disse...

Com um atraso de um ano, releio o delicado texto de Carlos Azevedo e declaro que é tudo que um poeta quer: um leitor atento, de ouvidos e olos aberto para as palavras e imagens que o poeta quer passar adiante.
Obrigada, Carlos

Vitoria Lima disse...

Reescrevendo o comentáriio: a insônia me fez claudicar no vernáculo:

Com um atraso de um ano, releio o delicado texto de Carlos Azevedo e declaro que é tudo que um poeta pode querer; um leitor atento, de ouvidos e OLHOS ABERTOS para as palavras e imagens que o poeta quer passar adiante.
Obrigada, Carlos.
Um beijo, Vitória