segunda-feira, 30 de março de 2009

Bufões & assessores


Carlos Azevedo*
Em certo momento do primeiro ato da peça teatral “Esperando Godot” de Samuel Beckett (1906-1989) há uma estranha passagem em que a personagem Pozzo fala com Vladimir e Estragon afirmando o seguinte: “Vocês não são daqui. Vocês são só deste século. Antigamente as pessoas tinham bufões; agora temos assessores, isto é, quem pode” (p.57).
Só o teatro beckettiano para nos dar uma tão divertida e circense analogia entre a função monárquica dos bufões e a adoção pela república dos modernos assessores. Ambos vinculados ao poder, ao “quem pode”, desempenham funções aparentemente assimétricas ou divergentes. O primeiro esforça-se para divertir o Rei em períodos difíceis e o segundo tenta que seu assessorado não passe por eles.
Os humoristas são os descendentes diretos dos bufões de antigamente. Invadem os espaços midiáticos e teatrais para levar diversão não ao Rei, mas sim aos exigentes espectadores que anseiam por uma sátira justamente ao poder ou aos poderes. Se eu fosse político, me valeria de muitos assessores humoristas, pois hoje o que se vê hoje nas colunas dos jornais é mais uma verdadeira troca de farpas entre emboladores de côco do que uma discussão dos importantes problemas nacionais. O ser político passa pela capacidade “criativa” de se dizer asneiras em público, a exemplo das seguidas gafes do presidente Lula ao tentar vincular a crise financeira mundial aos olhos azuis dos banqueiros. Assim, atenção nobres deputados da terrinha ou ocupantes do executivo, na hora de contratar seus assessores é bom dar uma checada nos cachês de um talentoso Zé Paraíba ou de um engraçado Cristovam Tadeu. Quem pode mais contrata um Chico Anysio, um mestre no assunto.
A figura do Bufão tornou-se cada vez mais técnica na república. Desvinculado da obrigação de ser engraçado, o assessor-bufão mete-se numa veste que imita o assessorado e sua função é adivinhar como o seu chefe pensa em períodos de tormenta. A alguns deles é até dada a liberdade de falar em nome do seu patrão quando faltam as palavras ao mesmo. São de confiança do poder, agarram-se nele como beatas a um encardido terço.
Os bufões modernos nem precisam ler “O príncipe” de Maquiavel. O maquiavelismo já lhes corre nas veias como um embriagante vinho tinto. Também não precisam ler um teórico das elites como Wright Mills para perceberem que a saudável alternância de poder é apenas uma triste brincadeira de roda gigante, um sobe e desce das mesmas figurinhas carimbadas.
Bruzundangas, esses bufões modernos se garantem nas suas ridículas funções “altamente técnicas e especializadas”. São risíveis em sua cretinice, mas são admiráveis no senso de praticidade.
Bufões modernos, esses espertalhões sem máscara nem nariz vermelho, povoam o poder como pulgas num cachorro morto.
* Jornalista e professor de Comunicação Social/UEPB

2 comentários:

Eliade Pimentel disse...

E aí, como foi o curso sobre o jornalismo da Realidade?

Eliade Pimentel disse...

Entrei num assunto e esqueci o principal... poxa, achei massa sua reflexão (conclusiva, hehehe) sobre os assessores modernos. São uns bufões mesmos e se agarram ao poder como tábuas. Ai ai ai sobrei nesse processo porque não bufo. Sou uma jornlaista eternamente livre de ideologias monarquizadas ou moldada por qual regime for.