quinta-feira, 22 de abril de 2010

Baleia encalhada


Uma enorme baleia encalhada está morrendo lentamente na rua do general, a Floriano Peixoto. No sobe e desce ladeira, muita gente nem nota a agonia do animal. Rodeada por palmeiras imperiais, a fera parece cansada, entediada de sua triste existência. Uma baleia de concreto concretamente abandonada numa cidade sem mar. Talvez seja essa a imagem louca a que mais se aproxime da situação do teatro municipal Severino Cabral, que pena numa reforma sem começo nem fim.
Campina Grande é hoje uma cidade sem teatro. Conformado, o movimento teatral parece assinar o laudo cadavérico da fera abandonada ao lado do moderno terminal de passageiros. E é no terminal de passageiros que são encenadas as mudanças de modernização de uma cidade que precisa continuar crescendo para não estagnar e morrer. Infelizmente, no previsível teatro eleitoral, “cultura não dá votos”. E a fera permanece esperando a chuva que não vem, o inverno e seus festivais, o advento de uma nova consciência ou a ação salvadora dos homens de consciência cristã.
Bem perto dali, o cine teatro São José, quase em frente à lotérica, também não teve sorte. Tal qual um navio naufragado, foram arrancando suas tábuas e telhas. As portas são arrombadas e o lugar virou mais uma nova cracolândia, no qual o vício é o único filme em cartaz. Derrubados, os letreiros de concreto, acima da marquise, formam um estranho abecedário do desengano e abandono.
Claro que os espaços culturais fazem falta sim. Mas vejo algumas luzes a brilhar, vaga-lumes sem luar. E tais fenômenos chegam paradoxalmente do Pedregal, uma comunidade que traz a pedra no nome, como se quisesse exprimir a própria dureza da vida. Uma professora de Arte e Mídia da UFCG, Eliane Lisbôa, discípula do grande Boal do Teatro do Oprimido, montou com seus alunos e moradores do lugar um espetáculo chamado “Fronteiras: no dia em que o boi enfrentou o papangu”.
O palco que parecia morto toma as ruas, invade o “mundo comum” com nossas máscaras e personagens, como queria o sociólogo Erving Goffman, autor de “A representação do eu na vida cotidiana”. O palco gira no teatro do Sesc quando a instituição na raça promove um festival de teatro infantil no qual a educação de crianças das escolas estaduais e municipais passa necessariamente por assistir uma peça de qualidade. Dava para ver que muitos não tinham sequer visto qualquer encenação em suas vidas. O palco começa a girar e a girar com mais velocidade ao ver um jovem como André Costa Pinto, cineasta do premiado documentário Amanda e Monick (2008), promovendo cursos gratuitos para a formação de novos atores na UEPB.
Contente, esperançosa, a baleia encalhada da rua do general parece discretamente rir. É que no fundo, lá dentro de seu coração, pertinho das cadeiras dos espectadores, ela sabe que a vida é um palco giratório.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito interessante a comparação que foi feita, do teatro com uma baleia, nesse artigo.Quando passamos ao seu lado e o vemos todo cercado, dá até pra imaginar um grito de socorro.
Beijão!!