terça-feira, 6 de abril de 2010

No reino do medo


Por telefone, da Espanha, preocupado, liga um ex-aluno que está fazendo mestrado no exterior. Está sendo tomado por equatoriano. E os equatorianos são temidos por lá por se organizarem em gangues. Os espanhóis, com medo, mudam de calçada quando ele vem. Com a criação da chamada União Européia os estigmatizados da vez são os chamados “extracomunitários”, gente que vem de todo mundo tentar uma vida melhor em outro país ou simplesmente estudar. E é justamente o tema de um livro de Zygmunt Bauman, em “Confiança e medo na cidade” (Zahar, 2009), no qual há uma reflexão bem atual sobre as diversas formas de xenofobia e também sobre a figura do estrangeiro na cultura contemporânea.
Desligado momentaneamente da realidade nacional, mal sabe o meu amigo que o bairro no qual ele tinha um trabalho com economia solidária em João Pessoa, o São José, ao lado da próspera Manaíra, se transformou numa verdadeira faixa de Gaza. Divididos por um muro imenso, esses dois bairros formam uma única realidade, são faces da mesma moeda, israelenses e palestinos. Após o assassinato de uma senhora que dirigia seu carro nas proximidades, a polícia resolveu criar uma operação chamada “Asfixia”, no qual não se distinguem trabalhador, morador ou bandido.
Talvez o meu ex-aluno também estranhe quando retornar ao Brasil o desenvolvimento de mais uma faceta do mercado imobiliário em nosso estado, a criação de “agrovilas” afastadas da sociedade ou de condomínios vigiados 24 horas, como presídios de luxo para os endinheirados da vez, que não querem se misturar. No caminho, entre Campina e João Pessoa, contei mais ou menos três desses paraísos artificiais. E talvez, num futuro bem próximo, as cidades se transformem apenas em ruínas violentas e abandonadas, passando a vida a ser tocada via internet, no distante conforto de uma casa no campo. Nos Estados Unidos, segundo o livro, as chamadas “gated communities” são mais de vinte mil e sua população supera os oito milhões de pessoas.
Há em curso uma verdadeira arquitetura do medo. Muros, câmeras, cercas eletrificadas. O medo também movimenta a guerra pela audiência na televisão e é tema comum no cinema contemporâneo.
Zygmund Bauman nos adverte que o pavor da Europa Unida ao estrangeiro, ao imigrante deve ser lido não apenas como um temor ao diferente, ao diverso, ao incomum. É que os efeitos perversos da globalização são sentidos localmente, nas cidades. Daí, na Europa há uma crescente “mixofobia”, medo de se misturar aos demais, medo de incorporar o outro.
No entanto, para o pensador polonês, viver na cidade é uma experiência ambivalente, entre a maldição e a benção, entre o prazer e a dor como quer Freud. E o espírito da cidade se faz por minúsculas interações cotidianas, pequenos gestos que, segundo Bauman, “aplainam as arestas áridas da vida urbana”. Assim, me dá alegria em ver momentos de “mixofilia”, momentos nos quais pessoas vindas dos diversos pontos de Campina Grande e arredores se encontram em total harmonia para curtir um sol de domingo, ver uma exposição de carros antigos, ver um grupo de dança de portadores de necessidades especiais, receber gratuitamente mudas de árvores etc. Foi o que aconteceu no domingo, no Parque da Criança. Foi o que o que também ocorreu no divertido circo Estoril, ao lado do shopping. São esses pequenos milagres, pequenos mesmo, que nos fazem esquecer o reino do medo que se instalou nas cidades brasileiras, nas TVs e na cabeça das pessoas.

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