domingo, 25 de janeiro de 2009

CARNE E PEDRA




O vulcão Vesúvio com seus dois cumes adormecidos parece ainda lembrar que as cidades são feitas de carne e pedra. Suas erupções construíram as ruínas de Pompéia, nas quais seres humanos foram convertidos tragicamente em estátuas de larva que representam as forças mais ocultas, misteriosas e destrutivas da natureza.
Mas não é do vulcão Vesúvio e suas grandes erupções que acontecem desde 79 d.C. que queremos falar, mas sim de um livro que já pode ser considerado um dos mais elegantes textos sobre a vida na cidade através da história. Em “Carne e Pedra- o corpo e a cidade na civilização ocidental” (Bestbolso,2008) o sociólogo Richard Sennett conduz o leitor num passeio que vai da Grécia antiga até Nova Iorque contemporânea, através de uma escrita que funde erudição e didatismo.
Richard Sennett nasceu em Chicago em 1943 e é professor da London School of Economics e da Universidade de Nova Iorque, sendo autor também de outro livro bem discutido nos meios universitários, “O declínio do homem público”, por sinal, esgotadíssimo. Ele escreveu também “A corrosão do caráter” e “Autoridade”.
O ambicioso projeto de “Carne e Pedra”, nas palavras do próprio autor é “uma história da cidade contada por meio da experiência corporal do povo: como mulheres e homens se moviam, o que viam e ouviam, os odores que penetravam em suas narinas, onde comiam, seus hábitos de vestir, de banhar-se e de que forma faziam amor, desde Atenas antiga até Nova York atual”.
Claro que Sennett não ignorou que muito já se tem de escritos sobre o fenômeno, em especial o clássico “A cidade na História”, do filósofo social e urbanista norte-americano Lewis Munford (1890-1990), que recontou os quatro mil anos de aventura humana na construção da vida na cidade. Os objetivos dele eram outros, nem tão amplos. “Estudei algumas cidades em momentos específicos, marcados pela eclosão de guerras ou revoluções, a inauguração de um monumento, o anúncio de uma descoberta médica ou a publicação de uma obra, que tenham assinalado significativamente as relações entre as experiências corporais e os espaços que as pessoas viviam” (p.20).
Assim, ao relacionar corpo e cidade, carne e pedra, Sennett vai de certa forma continuar o diálogo com seu famoso amigo intelectual Michel Foucault (1926-1984), autor de clássicos como “Vigiar e Punir” (1975) e “História da Sexualidade” (1976-1984). A circulação no corpo da cidade, suas artérias, suas veias, o centro urbano pulsante como um coração são analogias que o autor vai construir no livro. O privilégio de degustar página por página, como num passeio feito com os olhos no texto de um dos mais eruditos pensadores contemporâneos só pode ser comparado à experiência de contemplar do alto, pela primeira vez, uma metrópole como São Paulo. A experiência de pedra que fica marcada na carne.

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