quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A ilha perdida


(Para Catarina, minha mãe)
Sob a névoa do esquecimento, inutilmente tento traçar uma história pessoal das primeiras experiências como leitor. Como um hesitante filme rodado em super 8, algumas imagens sem edição rondam a cabeça. O jardim da casa velha, no bairro do Róger, em João Pessoa. O menino estranhamente feliz lendo o livrinho de capa azul, da Editora Ática, coleção Vagalume. Seria “A ilha perdida” ou “O segredo de Taquarapoca”?
Toda vez que tento formar essa imagem mais elaborada sobre o assunto me vem na cabeça outra leitura, dessa vez do adulto. É que me lembro do conto de Clarice Lispector chamado “Felicidade clandestina”, que se passa no Recife, no qual uma pequena garota se delicia ao finalmente conseguir ler um livro infantil mesmo que emprestado. Sim, essa estranha alegria que se compara ao descobrimento de um lugar paralelo nunca antes visto, o mundo dos livros e de suas histórias, pode ser chamada provisoriamente de “felicidade clandestina”.
Como num filme, os nexos temporais são outros e me vejo entrando na universidade, em fins da década de 80. Lembro do estágio na área de Cultura do Sesc de João Pessoa, das deliciosas leituras de literatura brasileira sempre facilitadas pelo prestimoso auxílio da bibliotecária Mara. Descobrindo o universo do conto do escritor Rubem Fonseca, devorando também seus romances como “A grande arte” ou “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”. Ou saboreando a crônica de outro Rubem, o Braga, no “O conde e o passarinho”.
Uma história pessoal da leitura também passa pelas idas e vindas aos Sebos e livrarias. Como não se lembrar da livraria do Coronel Albertino, quase no fim da Rua da República. Sentado num tamborete, se refestelando com um prato de macaxeira com carne de porco e bebendo vinho Jurubeba ele atendia o menino em seu passeio pela João Pessoa antiga. Ou do Sebo Cultural de Heriberto Coelho, quando ainda era situado no centro, numa casa antiga, com quartos e mais quartos cheios de livros, nos fundos de uma igreja barroca. Foi ali que conheci os livros de João Antônio, com seus títulos esquisitos: “Malhação de Judas Carioca” e “Malagueta, Perus e Bacanaço”. Ao lado da sede da Associação Paraibana de Imprensa (API), na Visconde de Pelotas de minha cabeça ainda posso perfeitamente entrar na Livro 7 e ser atendido por Roberto ou na Galeria Augusto dos Anjos de meu pensamento posso passar pela sortida Livraria do Luiz e perguntar sobre aquele lançamento ao Josélio.
E aquela coleção completa de Balzac que o beat João Henrique da Livraria Paidéia tinha? E aqueles livros que desejei comprar e não pude? É assim, aos pedaços, de forma incompleta e subjetiva, que se constrói uma história da leitura, como um vaga-lume perdido na escuridão. Assim, pessoas, personagens, enredos, lugares, títulos se misturam ou se apagam com o tempo, tal qual o filme “Coração de tinta”. Como não se lembrar dos labirintos de Borges?

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