sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Meditação sobre Dom Hélder


O livrinho de 73 páginas parecia adormecido num canto da estante. É que não queria lê-lo em meio a atividades de trabalho, misturá-lo com outros assuntos, apesar de sua pouca extensão. Eis que há tempo para tudo e, neste início de 2009, me lanço em um único dia na leitura de “Dom Helder Câmara- MeditAções pela integridade da Criação” (Editora Sal da Terra,2008), de autoria de Flávio Rocha.
Antes de entrar no livro em si, gostaria de contar o porquê do meu interesse em Dom Helder. Na década de 90, quando iniciava minha carreira como jornalista em O Norte, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, o editor chefe comentou que o jornal iria mandar um repórter para entrevistar o religioso no mosteiro, em Olinda. Na minha vaidade de leitor voraz, tentei convencê-lo que eu seria a pessoa mais indicada e até mais capacitada para entrevistar Dom Helder, uma vez que já conhecia alguns livros dele. Não adiantou, o chefe mandou uma jornalista que comentou comigo assim: “Olha, vou pra Olinda, com carro, motorista e fotógrafo entrevistar um tal de Dom. Nome esquisito pra uma pessoa, não achas?”. Prevendo a repercussão desastrosa da entrevista, fiquei ansioso. No entanto, a sensibilidade de Dom Helder discretamente notou que a moça não sabia distinguir um padre de um bispo. E, mesmo assim, ele a ajudou, com uma paciência de Jó. Uma lição de humildade para todos.
Pois bem, o livro de Flávio Rocha é resultado de seus estudos em nível de mestrado na University of Creation Spiritualy- Naropa University, nos Estados Unidos. Escrito numa linguagem simples e intercalando várias poesias de autoria de Dom Hélder, a publicação nos apresenta de forma resumida toda a trajetória de ação desse homem que é considerado um dos principais nomes da Teologia da Libertação no Brasil.
O Dom Hélder que vamos encontrar no livro de Flávio Rocha vai surpreender muita gente uma vez que o autor enfatiza a articulação entre a ação política e a meditação, numa curiosa simbiose entre defesa dos oprimidos e misticismo. Vamos encontrar um homem simples, de hábitos discretos que tem verdadeira paixão pelas plantas de seu jardim e vê na natureza uma forma de contato com Deus, sem que isso o impeça de sentir e lutar contra o sofrimento dos mais pobres.
Por que não pensar numa ponte ecumênica entre Dom Hélder e o monge budista vietnamita Thich Nhât Hanh, autor de “Meditação andando” e “Flamboyant em chama- rumo ao sol”? É que os dois não se ausentaram da responsabilidade para com o outro sem também se absterem do poder da meditação no que se refere à ligação com a natureza/divindade.
O mérito do livro de Flavio Rocha vem num poema do próprio Dom Hélder: “Não creia na força de quem bajula os fortes/ e de quem humilha os fracos./De quem não sorri de crianças brincando,/de quem não tem olhos para a beleza/ e é incapaz de parar, mesmo na maior pressa,/para contemplar uma flor.”

Um comentário:

Gilvan Melo disse...

Carlos,
Dom Helder tem o mais belo dos dons: a humildade. Obrigado pela dica. Não sei se esteve na UFPB, em Campina Grande, pouco antes de sua morte, lançando o projeto "novo milênio sem miséria". Eu estive lá, e foi raridade ver um velhinho falar de esperança.

Um abraço.

Gilvan Melo.